Artigo por Flávia Ferreira – Quem nunca ouviu ou falou a seguinte frase: “a única certeza da vida é a morte”? Embora dita com tanta naturalidade, o tema da morte ainda é tabu. Pouco abordado, diria até que velado, por grande parte das pessoas, das famílias. No entanto, ao falarmos sobre a morte, na verdade, estamos nos dando a oportunidade de revisitar a vida, nossos valores, nossos desejos, expressar e compartilhar aquilo que é importante.
O que quase nunca se discute é que temos a chance de tirar o peso de uma decisão muitas vezes difícil dos nossos familiares e amigos. Ao compartilhar o nosso desejo em vida, estamos construindo uma oportunidade de cuidado – cuidar dos outros, dos que ficam, dos que amamos. É uma forma de ressignificar a partida e permitir viver o luto. Luto, que pela sua relevância e impacto, foi escolhido como foco das discussões do Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, comemorado este ano no dia 8 de outubro.
Luto e abordagem paliativa
Com o tema “Corações e Comunidades Curativas”, a The Worldwide Hospice Palliative Care Alliance(WHPCA), organização internacional que se concentra no desenvolvimento dos Cuidados Paliativos e Hospices, chama atenção para a importância de uma abordagem interdisciplinar, que proporcione bem-estar físico, emocional, social e espiritual ao paciente, mas também aos seus familiares.
A escolha desta temática teve como objetivo reconhecer que a experiência da dor e a necessidade de curar une os seres humanos. E o luto pode ser vivenciado de uma forma mais humana e consciente. Os Cuidados Paliativos cumprem esse papel ao oferecer o cuidado ao paciente, mas também aos seus familiares, promovendo o controle adequado dos sintomas associado ao respeito às crenças e valores.
A mudança de perspectiva pode parecer sutil, mas faz uma grande diferença na forma como o paciente e seus familiares se preparam para essa despedida. Seja viabilizando a reunião de toda uma família para uma tarde agradável no jardim, permitindo o acesso de um cachorrinho ou outro animal de estimação para visitar o seu dono, garantindo toda segurança necessária para que a avó conheça, antes de falecer, a primeira bisneta que só tem poucos dias de vida, que uma filha cante uma linda música enquanto sua mãe se despede desta vida ou preparando a refeição preferida para agradar a memória afetiva de um paciente.
Esses são apenas alguns exemplos de situações reais viabilizadas na Clínica Florence, primeiro Hospital de Transição do Norte/Nordeste, em que ouvir, entender e valorizar o que faz diferença para aquele paciente e seus familiares nesse momento permite que eles vivam o processo de finitude com mais leveza, acolhimento e guardando memórias positivas. Essa abordagem tem como premissa levar mais vida aos dias. Até o último dia.
(Artigo publicado no Jornal A Tarde em 8 de outubro de 2022, Dia Mundial dos Cuidados Paliativos)