Artigo assinado por:
João Ramos – Professor de Medicina da Universidade Federal da Bahia e membro do Comitê de Cuidados Pós UTI da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).
José Mário Teles – Coordenador do Comitê de Cuidados Pós UTI da AMIB.
Cassiano Teixeira – Membro do Comitê de Cuidados Pós UTI da AMIB.
Fernanda Saboya – Membro do Comitê de Cuidados Pós UTI da AMIB.
Zilfran Teixeira – Membro do Comitê de Cuidados Pós UTI da AMIB.
Marcelo Maia – Presidente da AMIB.
Segundo o último censo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), o Brasil possuía cerca de 44 mil leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) disponíveis em janeiro de 2023, com pelo menos 2 milhões de brasileiros sendo admitidos nesses leitos anualmente, por diferentes motivos relacionados a doenças graves. Devido aos diversos avanços em conhecimento técnico, aplicação de tecnologia e formação de recursos humanos, a grande maioria dos pacientes internados em UTI sobrevivem à internação e retornam para a sociedade. No entanto, essa população não sobrevive sem sequelas e, apesar de potencialmente vulnerável, hoje recebe pouca ou nenhuma atenção dos sistemas de saúde público ou privado.
Pacientes que sobrevivem a uma internação em UTI estão sob risco de desenvolvimento de um quadro conhecido como Síndrome Pós UTI (PICS, do inglês “post intensive care syndrome”), resultante de sequelas relacionadas à doença que motivou o internamento, assim como piora de eventuais doenças prévias e de potenciais complicações relacionadas ao tratamento realizado durante hospitalização. A PICS pode afetar diferentes dimensões da saúde do indivíduo, como a física, cognitiva e relacionadas a saúde mental. Essas alterações pioram qualidade de vida e aumentam o risco de reinternação e morte no longo prazo. Adicionalmente, tem impacto nas relações familiares, capacidade de retorno ao trabalho e, consequentemente, capacidade de inserção social das pessoas acometidas.
O impacto da PICS vai além do relacionado às condições individuais de saúde de cada pessoa. Por exemplo, até 1 em cada 3 sobreviventes de uma internação na UTI por sepse são internados novamente no hospital dentro de 90 dias após a alta. Pacientes com quadro de maior fragilidade, que permanecem por tempo mais prolongado, são responsáveis por até 1/3 das diárias de UTI e têm até 60% de risco de mortalidade em 12 meses, o que é um risco de morte superior à maioria dos cânceres. Adicionalmente, apenas 7 em cada 10 sobreviventes a um quadro grave em UTI retornam ao trabalho em até 5 anos após a alta hospitalar. Esses números significam que, para além de uma tragédia individual, os problemas que afetam os sobreviventes de doenças graves possuem um impacto econômico e de utilização de recursos relevante.
A PICS, devido à sua alta prevalência e impacto individual e social, deveria levar à formulação de estratégias e políticas globais com o intuito de prevenir, mitigar e reabilitar as suas consequências. Existem iniciativas que podem ser implementadas durante o internamento na UTI e após a alta do paciente com o objetivo de reduzir o impacto da PICS, a exemplo de mudanças de processos e tratamentos dentro da UTI e modelos integrados e interdisciplinares de atenção após a alta hospitalar, como clínicas pós UTI, atendimentos domiciliares e hospitais de transição. No entanto, essas ações têm sido realizadas de maneira esporádica e individualizada, o que reduz o benefício potencial para a sociedade.
A AMIB, assim como outras sociedades de saúde, tem promovido iniciativas de educação e divulgação científica e social com o objetivo de aumentar o conhecimento a respeito da Síndrome Pós UTI. Esperamos que as demais partes interessadas e, em especial, as fontes pagadoras do sistema público e privado olhem para esse problema com a devida prioridade.